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                         Ademais, existe uma questão político-cultural   elemento essencial ao sucesso da empreitada: “skin in
                   relacionada à falta de interesse de gestões posteriores   the game”, ou, em português, “arriscar a própria pele”
                                                                              29
                   em continuarem projetos passados. Quando há uma   (THALEB, 2018) .
                   mudança de governo devido às eleições, é comum que
                   as prioridades políticas e as visões de longo prazo sejam   Observa-se que não se defende que todas as obras
                   alteradas. Isso pode resultar na interrupção de projetos   sejam retomadas sem análise técnica. Existem obras que
                   de infraestrutura em andamento (FERREIRA, 2020), na   foram iniciadas sem justificativa razoável, a exemplo do
                                                                                         30
                   revisão de planos existentes e na alocação de recursos   BRT de Palmas (BRASIL, 2017) . Nesses casos, a continui-
                   para outras áreas consideradas mais relevantes pelos   dade da aplicação de recursos tenderá apenas a agravar o
                   novos governantes. Essas mudanças repentinas de direção   problema. Já em outros casos de obras viáveis, é melhor
                   podem levar a atrasos e interrupções nos projetos de   investir valores complementares para finalizá-las do que
                   infraestrutura, especialmente nos empreendimentos de   abandoná-las e começar novos projetos, muitas vezes
                                                                                     31
                   maior vulto, como sinalizado econometricamente por   com a mesma finalidade . Assim, é necessário que seja
                   Gomes (2023). Tal postura é fomentada pela ausência de   feita uma análise caso a caso, considerando os custos e
                   um enforcement que imponha alguma responsabilização   benefícios residuais, muitas vezes deixando de considerar
                                                                                       32
                   aos descontinuadores de obras públicas. Isto é, falta um   os custos não recuperáveis .



            1.3  COMO ENFRENTAR AS MAZELAS DA INFRAESTRUTURA


                         Para se mitigar as falhas aqui retratadas, inevi-  mesma forma que as falhas são em cascatas, as soluções
                   tavelmente há de se melhorar os processos de tomada   não podem ser diferentes. O melhor exemplo é um iceberg,
                   de decisão, planejamento e fiscalização de projetos. Da   mas deixaremos essa analogia para a conclusão.


            1.3.1  Primeira medida: Promover a transparência real do desempenho dos

                   maiores projetos de infraestrutura – acompanhamento sistemático dos
                   megaprojetos pelo controle externo na função de olhos da sociedade


                         Apenas disponibilizar dados não é suficiente para   um amontoado de dados soltos, relativos a milhares de
                   ser transparente sobre os desempenhos dos projetos. A   contratações, que não conseguem fomentar um controle
                   transparência só é efetiva quando as informações podem   social minimamente efetivo. Questiona-se: o cidadão
                   ser compreendidas por quem as recebe. No caso da infraes-  consegue saber de forma simples e confiável em quanto
                   trutura, não adianta que o governo apenas disponibilize   estava estimado um empreendimento de grande porte
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                   um mar de informações  sobre as contratações públicas   (com dezenas de contratos distintos), quanto ele custou
                   de forma desagregada, sem gerar compreensão exata de   de verdade, qual era o prazo estimado, qual o atraso
                   que o recurso do contribuinte foi ou não bem aplicado.   atual, há quanto tempo que a obra não recebe recursos,
                                                                   qual governante e partido propuseram? A resposta é não.
                         Quando falamos em transparência na infraes-  Nem o controle sabe. Os dados até existem, mas não são
                   trutura brasileira, alguns dados são disponíveis, mas   compilados em informações úteis.
                   não transparentes. Em geral, os portais não passam de



                   29  O autor também usa a expressão “colocar a pele em jogo” para se referir ao conceito de que aqueles que tomam decisões devem compartilhar das consequências e dos
                     riscos dessas decisões. Em outras palavras, se você vai fazer uma escolha que afeta outros, você também deve ser afetado por essa escolha. Isso cria um alinhamento de
                     interesses e responsabilidade.
                   30  O Acórdão 460/2017 indicou inexistir comprovação de viabilidade técnica ou econômica.
                   31   Circunstância aderente à logica contida no art. 45 da LRF: “a lei orçamentária e as de créditos adicionais só incluirão novos projetos após adequadamente atendidos os em
                     andamento e contempladas as despesas de conservação do patrimônio público, nos termos em que dispuser a lei de diretrizes orçamentárias.”
                   32  Custo afundado é o dinheiro já gasto em um projeto ou investimento, que não pode ser recuperado.
                   33  Assim, as leis de acesso à informação só são eficazes se o governo disponibilizar dados que os cidadãos considerem úteis. Destarte, essas leis são condições necessárias,
                     mas não suficientes, para promover responsabilidade aos governantes (ROSE-ACKERMAN & PALIFKA, 2016).





                                         O iceberg da infraestrutura: cOmO cOmbater a imaturidade, a inviabilidade e a paralisaçãO de Obras brasileiras
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