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Ademais, existe uma questão político-cultural elemento essencial ao sucesso da empreitada: “skin in
relacionada à falta de interesse de gestões posteriores the game”, ou, em português, “arriscar a própria pele”
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em continuarem projetos passados. Quando há uma (THALEB, 2018) .
mudança de governo devido às eleições, é comum que
as prioridades políticas e as visões de longo prazo sejam Observa-se que não se defende que todas as obras
alteradas. Isso pode resultar na interrupção de projetos sejam retomadas sem análise técnica. Existem obras que
de infraestrutura em andamento (FERREIRA, 2020), na foram iniciadas sem justificativa razoável, a exemplo do
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revisão de planos existentes e na alocação de recursos BRT de Palmas (BRASIL, 2017) . Nesses casos, a continui-
para outras áreas consideradas mais relevantes pelos dade da aplicação de recursos tenderá apenas a agravar o
novos governantes. Essas mudanças repentinas de direção problema. Já em outros casos de obras viáveis, é melhor
podem levar a atrasos e interrupções nos projetos de investir valores complementares para finalizá-las do que
infraestrutura, especialmente nos empreendimentos de abandoná-las e começar novos projetos, muitas vezes
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maior vulto, como sinalizado econometricamente por com a mesma finalidade . Assim, é necessário que seja
Gomes (2023). Tal postura é fomentada pela ausência de feita uma análise caso a caso, considerando os custos e
um enforcement que imponha alguma responsabilização benefícios residuais, muitas vezes deixando de considerar
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aos descontinuadores de obras públicas. Isto é, falta um os custos não recuperáveis .
1.3 COMO ENFRENTAR AS MAZELAS DA INFRAESTRUTURA
Para se mitigar as falhas aqui retratadas, inevi- mesma forma que as falhas são em cascatas, as soluções
tavelmente há de se melhorar os processos de tomada não podem ser diferentes. O melhor exemplo é um iceberg,
de decisão, planejamento e fiscalização de projetos. Da mas deixaremos essa analogia para a conclusão.
1.3.1 Primeira medida: Promover a transparência real do desempenho dos
maiores projetos de infraestrutura – acompanhamento sistemático dos
megaprojetos pelo controle externo na função de olhos da sociedade
Apenas disponibilizar dados não é suficiente para um amontoado de dados soltos, relativos a milhares de
ser transparente sobre os desempenhos dos projetos. A contratações, que não conseguem fomentar um controle
transparência só é efetiva quando as informações podem social minimamente efetivo. Questiona-se: o cidadão
ser compreendidas por quem as recebe. No caso da infraes- consegue saber de forma simples e confiável em quanto
trutura, não adianta que o governo apenas disponibilize estava estimado um empreendimento de grande porte
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um mar de informações sobre as contratações públicas (com dezenas de contratos distintos), quanto ele custou
de forma desagregada, sem gerar compreensão exata de de verdade, qual era o prazo estimado, qual o atraso
que o recurso do contribuinte foi ou não bem aplicado. atual, há quanto tempo que a obra não recebe recursos,
qual governante e partido propuseram? A resposta é não.
Quando falamos em transparência na infraes- Nem o controle sabe. Os dados até existem, mas não são
trutura brasileira, alguns dados são disponíveis, mas compilados em informações úteis.
não transparentes. Em geral, os portais não passam de
29 O autor também usa a expressão “colocar a pele em jogo” para se referir ao conceito de que aqueles que tomam decisões devem compartilhar das consequências e dos
riscos dessas decisões. Em outras palavras, se você vai fazer uma escolha que afeta outros, você também deve ser afetado por essa escolha. Isso cria um alinhamento de
interesses e responsabilidade.
30 O Acórdão 460/2017 indicou inexistir comprovação de viabilidade técnica ou econômica.
31 Circunstância aderente à logica contida no art. 45 da LRF: “a lei orçamentária e as de créditos adicionais só incluirão novos projetos após adequadamente atendidos os em
andamento e contempladas as despesas de conservação do patrimônio público, nos termos em que dispuser a lei de diretrizes orçamentárias.”
32 Custo afundado é o dinheiro já gasto em um projeto ou investimento, que não pode ser recuperado.
33 Assim, as leis de acesso à informação só são eficazes se o governo disponibilizar dados que os cidadãos considerem úteis. Destarte, essas leis são condições necessárias,
mas não suficientes, para promover responsabilidade aos governantes (ROSE-ACKERMAN & PALIFKA, 2016).
O iceberg da infraestrutura: cOmO cOmbater a imaturidade, a inviabilidade e a paralisaçãO de Obras brasileiras