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1.2.2.1 As desculpas usadas e as verdadeiras causas dos atrasos e extrapolações
de custos
Quando os projetos custam mais que o previsto No caso de megaprojetos de infraestrutura, essa
e atrasam, de quem é a culpa? Muitas vezes, quando as manipulação das informações gera graves consequências.
obras de construção se deparam com esses problemas, Um projeto que é bonito apenas no papel pode passar por
os responsáveis tentam usar “desculpas” com roupagem toda a cadeia decisória e culminar em uma obra entregue,
técnica. Porém, tais hipóteses foram refutadas com base porém inútil, destruindo parte da riqueza do país.
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em dados estatísticos . Na realidade, o viés do otimismo, a
deturpação intencional dos dados e a escalada de compro- Nesse passo, a deturpação estratégica dos dados
misso são as três principais causas das falhas nas estima- também gera uma concorrência desleal. Numa disputa
tivas de custos e de prazos em projetos (FLYVBJERG et al., por financiamento, agentes que apresentam estimativas
2002; DENICOL et al., 2020). realistas de custo e prazo e são transparentes em relação
aos riscos envolvidos geralmente perdem para aqueles que
O viés do otimismo é um fenômeno natural em deturpam estrategicamente os dados, mascarando seus
todos os seres humanos. É comum que as pessoas supe- resultados, para os deixarem mais vantajosos no papel.
restimem sua capacidade de realizar tarefas e subestimem Sem mecanismos de controle e responsabilização eficazes,
as dificuldades e os riscos envolvidos. Porém, isso é acen- esse tipo de comportamento desleal tende a ser a regra e
tuado em projetos de grande escala, nos quais há muitas não a exceção, prejudicando a tomada de decisão e levando
incertezas e variáveis em jogo. Isso leva a estimativas a investimentos precários com recursos públicos. Isso pode,
irrealistas de custo e prazo, as quais não necessariamente ainda, incentivar gestores inicialmente honestos em suas
advêm de desonestidade ou de má-fé. previsões – perdedores de financiamentos anteriores – a
serem cada vez menos verdadeiros nas próximas rodadas,
Já a deturpação estratégica dos dados, por sua acarretando um agravamento do problema .
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vez, é um problema mais insidioso. Em alguns casos,
principalmente quando há disputa por fontes de recursos Por fim, o último conceito comportamental que
escassas, os proponentes de um projeto podem estar macula a tomada de decisão de megaprojetos é a esca-
cientes de que as estimativas de custo e prazo são irreais, lada de compromissos onde executivos tendem a seguir
mas as apresentam de qualquer forma, de modo a conse- o padrão de comportamento que conduz a resultados
guir aprovação para o projeto. Isso pode ser feito por meio malsucedidos, em vez de alterar o seu curso. Isso é muitas
de técnicas como subestimar custos indiretos, ignorar vezes impulsionado pela noção de que, uma vez iniciado,
possíveis obstáculos e superestimar benefícios. No projeto, o projeto é tão grande e caro que não pode falhar, nem ser
a possibilidade de riscos de chuvas intensas ou condições interrompido. Mesmo quando avaliações subsequentes
geológicas desfavoráveis pode ser ignorada. Quando sugerem a necessidade de uma mudança, os gestores
a realidade se impõe, essas estimativas irreais levam a continuam a direcionar recursos para a finalização do
atrasos, custos extrapolados e, em vários casos, parali- empreendimento, ainda que os benefícios finais não
sação de obras. justifiquem o investimento residual (DENICOL et al., 2020).
21 Se as previsões erradas fossem realmente causadas por inadequações técnicas, seria esperada uma distribuição de erros nas estimativas de custo com média em torno de
zero, com certa equivalência entre aumentos e reduções de custo. Além disso, seria esperada uma evolução ao longo das décadas. Porém, nenhuma dessas hipóteses é
compatível com a realidade, visto que 9 a cada 10 projetos de infraestrutura de transporte, por exemplo, extrapolam os custos, e que não houve evolução da precisão ao
longo das décadas (FLYVBJERG et al., 2002).
22 Em inglês, o termo é “strategic misrepresentation”, utilizado em diversos trabalhos do professor Bent Flyvbjerg (2002; 2003; 2006; 2009; 2023). Nesses casos, as estimativas de
custos, prazos e benefícios não são idealizadas para serem acuradas e, sim, para vender o projeto (FLYVBJERG & GARDNER, 2023).
23 Seleção adversa acontece quando um indivíduo numa negociação tem mais informação, podendo causar desvantagem ao outro. No caso da Administração Pública, poderia
ser o caso em que se escolhe entre os piores (na licitação) em face do desinteresse dos melhores agentes.
O iceberg da infraestrutura: cOmO cOmbater a imaturidade, a inviabilidade e a paralisaçãO de Obras brasileiras