Instituto Brasileiro de Auditoria de Obras Públicas

O Instituto Brasileiro de Auditoria de Obras Públicas (Ibraop), em face da discussão sobre a amplitude e aplicabilidade da Lei 13.979/20, de 6 de fevereiro de 2020 (alterada pela MP 926/2020), que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do surto de coronavírus, vem apresentar seu entendimento, com enfoque em obras e serviços de engenharia, conforme a seguir:

1. A Lei 13.979/20 objetiva atender uma excepcionalidade temporária e tem validade apenas enquanto perdurar a estado de emergência, sendo aplicável somente para aquisição e contratação de objetos destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do coronavírus, de forma que esse normativo está vocacionado à aquisição de bens e serviços de pronta entrega e de atendimento no curto prazo.

2. A Lei 13.979/20 não se aplica à contratação de obras. Eventuais obras emergenciais, desde que justificadas por estado de calamidade pública e diretamente necessárias ao enfrentamento da pandemia, tem abrigo no artigo 24, IV da Lei 8.666/93 ou no art. 29, XV da Lei 13.303/16. Nesse caso, a obra (conceito no qual se inclui reforma) deve dispor de elementos técnicos indicados em lei e elaborados por profissional habilitado, o que se caracteriza mediante a emissão da correspondente ART/RRT, o qual se responsabilizará pessoalmente pelas indicações dos elementos técnicos necessários e suficientes para a caracterização do objeto e para a execução econômica, eficiente e eficaz da obra.

3. O artigo 4º da Lei 13.979/20 é claro em tornar dispensável a licitação para aquisição de uma série objetiva de bens, insumos e serviços, inclusive de engenharia, mas em nenhum de seus dispositivos autoriza tal dispensa a qualquer tipo de obra. Então a não inclusão de execução de obras no rol de aquisições e contratações nos quais é dispensável a licitação foi intencional, não sendo permitida, portanto, por essa Lei.

4. Qualquer tentativa de interpretação do artigo 4º, no sentido de tentar incluir a execução de obras no rol de contratações dispensáveis de licitação e permitir a utilização de projeto básico simplificado, colide frontalmente com as corretas técnicas de engenharia e foge dos procedimentos que garantem especificações do objeto a ser licitado e construído, bem como desvirtua sua orçamentação, contribuindo para o malogro das construções e criação de obras paralisadas.

5. A Lei 13.979/20 definiu objetivamente aquilo que pode ser contratado e suas limitações, ou seja, o objetivo é mesmo o atendimento apenas emergencial, e não a contratação indiscriminada de objetos e tampouco de empreendimentos como um todo, que venham a demandar prazos longos para conclusão, mas apenas parcela necessária ao atendimento da situação de emergência.

6. A Lei 13.979/20 é de caráter geral e qualquer alteração por meio de normas estaduais ou municipais que contrariem os dispositivos da lei federal, a exemplo da permissividade da contratação de obras públicas, poderão ser interpretadas como irregulares.

7. Os conceitos de obras e de serviços de engenharia já estão estabelecidos na Orientação Técnica OT IBR 002/2009 do Ibraop, consagrada ao longo dos anos, e permitem distinguir perfeitamente a diferença entre eles:

Obra de engenharia é a ação de construir, reformar, fabricar, recuperar ou ampliar um bem, na qual seja necessária a utilização de conhecimentos técnicos específicos envolvendo a participação de profissionais habilitados conforme o disposto na Lei Federal nº 5.194/66.

[…]
Serviço de Engenharia é toda a atividade que necessite da participação e acompanhamento de profissional habilitado conforme o disposto na Lei Federal nº 5.194/66, tais como: consertar, instalar, montar, operar, conservar, reparar, adaptar, manter, transportar, ou ainda, demolir. Incluem-se nesta definição as atividades profissionais referentes aos serviços técnicos profissionais especializados de projetos e planejamentos, estudos técnicos, pareceres, perícias, avaliações, assessorias, consultorias, auditorias, fiscalização, supervisão ou gerenciamento.

8. Sob a ótica dos conceitos da OT IBR 002/2009, as montagens de hospitais de campanha, serviços de reparos ou de conservação de unidades de saúde são serviços de engenharia abrangidos pela Lei 13.979/20. Por outro lado, as reformas de prédios inteiros ou de grandes alas e as construções de hospitais, por exemplo, enquadram-se como obras de engenharia e não podem ser executadas com a dispensa de licitação explicitamente concedida aos serviços de engenharia na Lei 13.979/20.

9. A Orientação Técnica OT IBR 001/2006, também consagrada no meio técnico do setor público, define com objetividade o conceito de Projeto Básico, detalhando seu conteúdo, conforme transcrito a seguir:

Projeto Básico é o conjunto de desenhos, memoriais descritivos, especificações técnicas, orçamento, cronograma e demais elementos técnicos necessários e suficientes à precisa caracterização da obra a ser executado, atendendo às Normas Técnicas e à legislação vigente, elaborado com base em estudos anteriores que assegurem a viabilidade e o adequado tratamento ambiental do empreendimento.

10. Mesmo uma obra emergencial exige a elaboração do devido projeto básico em consonância com o que prevê a Orientação Técnica OT IBR 001/2006 do Ibraop, sendo admissível, com a finalidade precípua de afastar risco de dano a pessoas ou aos patrimônios público e particular, que os primeiros serviços sejam iniciados ou executados previamente à conclusão do projeto básico. Em casos excepcionais e devidamente justificados, poderão ser utilizados projetos básicos que não apresentem todos os elementos da Orientação Técnica OT IBR 001/2006 do Ibraop, devendo constar do processo de contratação as razões que impossibilitam a elaboração do projeto completo.

11. Não cabe isenção de Projeto Básico em situações de emergência ou de calamidade pública com fundamento na antiga Resolução 361/91 do Confea, editada em razão do Decreto-Lei 2.300/86 (revogado), tendo em vista os novos dispositivos das Leis 8.666/93, 13.303/16 e 13.979/20.

12. As contratações que se enquadrem nas hipóteses de dispensa Lei 13.979/20 devem atender às seguintes situações e limitações:

a. confirmação de situação de emergência;
b. pronto atendimento da situação de emergência;
c. existência de risco a segurança em algumas situações;
d. somente a contratação de parcela necessária ao atendimento da situação de emergência.

13. As contratações que se enquadrem nas hipóteses de dispensa da Lei 8.666/93 ou da Lei 13.303/16 devem atender às seguintes situações e limitações:

a. caracterização da situação emergencial, calamitosa ou de grave e iminente risco à segurança pública que justifique a dispensa;
b. definição das parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e ininterruptos, contados da ocorrência da emergência ou calamidade;
c. indicação da razão da escolha do fornecedor ou executante;
d. apresentação da justificativa do preço.

14. No caso de “serviços de engenharia” necessários ao enfrentamento da emergência de que trata a Lei 13.979/20, o prazo para contratação com a utilização da modalidade Pregão continua sendo o estabelecido na Lei 10.520/02, pois não foram alcançados pela redução à metade do prazo previsto no artigo 4º-G, caput, da Lei 13.979/20.

15. A Lei 13.979/20 não prevê a contratação de obras por pregão, acompanhando a legislação já estabelecida anteriormente.

16. A dispensa de estudos preliminares, prevista na nova Lei, aplica-se apenas a bens e serviços comuns.

17. Mesmo nos casos que se enquadrem nas hipóteses de dispensa previstas na Lei 13.979/20, a contratação deve estar fundamentada em elementos técnicos (projeto básico ou termo de referência simplificados) que contemplem, no mínimo, o exigido no seu art. 4º E, § 1º:

a. declaração do objeto;
b. fundamentação simplificada da contratação;
c. descrição resumida da solução apresentada;
d. requisitos da contratação;
e. critérios de medição e pagamento;
f. estimativas dos preços; e
g. adequação orçamentária.

18. As estimativas dos preços baseadas na Lei 13979/20 serão obtidas por meio de, no mínimo, um dos seguintes parâmetros estabelecidos no §1 º do art. 4-E:

a. portal de Compras do Governo Federal;
b. pesquisa publicada em mídia especializada;
c. sítios eletrônicos especializados ou de domínio amplo;
d. contratações similares de outros entes públicos; ou
e. pesquisa realizada com os potenciais fornecedores.

19. É obrigatória justificativa tecnicamente fundamentada da autoridade competente para:

a. a excepcionalidade da dispensa de estimativa de preços prevista no § 2º do art. 4º E da Lei 13.979/20; e
b. a contratação pelo Poder Público por valores superiores decorrentes de oscilações ocasionadas pela variação de preços, nos termos do § 3º do art. 4º E da Lei 13.979/20.

20. Os contratados ficam obrigados a aceitar, nas mesmas condições contratuais, acréscimos ou supressões ao objeto contratado, em até cinquenta por cento do valor inicial atualizado do contrato.

21. O limite de despesa de R$ 330.000,00 por suprimento de fundos por meio do cartão de pagamento do governo permitido no inciso I do art. 6-A não se aplica a obras, mas apenas aos serviços de engenharia que se amoldem aos requisitos estabelecidos na Lei 13.979/20.

22. Importante destacar a exigência da publicidade e divulgação de todos os elementos das contratações, conforme o teor do art. 4º, § 2º da Lei 13.979/20.

23. A celeridade das contratações que a situação impõe, na qual não se pode perder de vista a necessidade de se manter as corretas técnicas de engenharia, reforça as vantagens de aplicação da plataforma BIM, que uma vez instalada e em uso, agilizaria sobremaneira a elaboração de projetos e de orçamentos em prazos muito menores e com boa qualidade.

24. Cabe ao gestor zelar pela adequada motivação a fim de justificar a utilização da Lei 13.979/20, devidamente fundamentada e documentada, de modo a evitar argumentações imprecisas ou vagas que possam comprometer as respectivas prestações de contas aos órgãos controladores.

Vitória, 23 de abril de 2020.

Anderson Uliana Rolim
Presidente do IBRAOP

 

 

Acesse AQUI a íntegra da Nota Técnica!

 

Back to Top