A Câmara dos Deputados está prestes a aprovar uma nova Lei para Licitações e Contratos para o Brasil, por meio do PL 1292/95, que foi originado no Senado Federal e, ao longo de vários anos, sofreu incontáveis alterações e adequações que, inclusive, incorporam novos dispositivos tais como a Lei que instituiu o Pregão para aquisições, a nova Lei das Estatais e o Regime Diferenciado de Contratações.
A iniciativa é interessante, no entanto, em que pese o esforço do relator e dos deputados que se debruçaram sobre o estudo do PL 1292/1995, bem como terem sido ouvidos diversos setores em muitas audiências públicas, a consolidação do texto ainda não conseguiu transformá-lo em uma normativa adequada a todas a situações passíveis de ocorrer em certames licitatórios e nas execuções contratuais, de modo que possa garantir eficiência e eficácia aos processos, bem como proporcionar segurança jurídica ao cenário das licitações e contratos do Brasil, em especial no que concerne às obras públicas.
É visível que há diversas situações controvertidas no texto do PL 1292/1995, que podem proporcionar graves prejuízos à economia, eficiência e eficácia na realização de obras públicas, bem como instabilidade jurídica na interpretação das várias demandas que surgirão.
De maneira geral, nos artigos do referido projeto de lei, misturam-se compras simples, serviços comuns, serviços de engenharia e obras, fato que introduz confusão ou pouca clareza para situações específicas, tendo em vista a complexidade inerente às contratações de obras e de serviço de engenharia, que requerem procedimentos especiais e perfeitamente dispensáveis aos certames que visam às contratações elementares e de baixíssima complexidade.
Diante dos fatos, o Ibraop se posiciona contrário à aprovação do PL 1292/1995, e sugere que seja reestudado o texto, de modo a identificar e corrigir artigos com risco potencial de prejuízo ao interesse público e à estabilidade jurídica;
Por oportuno, é interessante que se cogite a elaboração de lei específica para licitações e contratações de obras e de serviços de engenharia, tendo em vista a complexidade do tema.
A título de exemplo, veja-se a análise de alguns dos artigos que, se usados em conjunto, podem proporcionar insegurança jurídica e prejudicar o interesse público:
- De início, salta aos olhos a definição de “obras e serviços comuns de engenharia” que, segundo o inciso XX, do art. 6º, do PL em questão, seriam: “construção, reforma, recuperação ou ampliação de bem imóvel cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pela Administração por meio de especificações usuais de mercado;”. Ocorre que qualquer obra ou serviço de engenharia pode e deve se revestir dessas características e, portanto, pode ser entendida como “obra comum”, na interpretação textual;
Art. 6º
XX – obras e serviços comuns de engenharia: construção, reforma, recuperação ou ampliação de bem imóvel cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pela Administração por meio de especificações usuais de mercado;
- No mesmo art. 6º, o inciso XLV, ao definir “sistema de registro de preços”, admite-se a sua realização, inclusive na modalidade de pregão, para serviços e obras comuns, o que conflita com a determinação trazida no art. art. 28, parágrafo único, que veda a utilização de pregão para contratações de obras e serviços de engenharia, não importando se comuns ou não;
Art. 6º
XLV – sistema de registro de preços: conjunto de procedimentos para realização, mediante licitação na modalidade pregão ou concorrência, de registro formal de preços relativos a prestação de serviços, obras comuns e aquisição e locação de bens para contratações futuras;
Art. 28. A concorrência e o pregão seguem o rito procedimental comum a que se refere o art. 17, adotando-se o pregão sempre que o objeto possuir padrões de desempenho e qualidade que possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais de mercado.
Parágrafo único. O pregão não se aplica às contratações de serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual e de obras e serviços de engenharia.
- O art. 78, § 5º oficializa que qualquer obra pode ser contratada por sistema de registro de preços, desde que exista projeto padronizado, sem complexidade técnica e operacional e com necessidade permanente ou frequente de obra ou serviço a ser contratado, como complementa o artigo 81. No entanto, as definições do art. 6º, inciso XLV, permitem que o sistema de registro de preços possa ser usado, também, para outras obras, bastando que exista projeto padronizado sem complexidade técnica e operacional, que são conceitos bastante subjetivos;
Art. 78. O edital para licitação para registro de preços, comum ou permanente, observará as regras gerais desta Lei e deverá dispor sobre:
[. . .]
§ 5º O sistema de registro de preços poderá ser usado para a contratação de bens e serviços, inclusive de obras e serviços de engenharia, e observará as seguintes condições:
Art. 81. A Administração poderá contratar a execução de obras e serviços de engenharia pelo sistema de registro de preços, desde que atendidos os seguintes requisitos:
I – existência de projeto padronizado, sem complexidade técnica e operacional;
II – necessidade permanente ou frequente de obra ou serviço a ser contratado.
- No que diz respeito à fase preparatória do processo licitatório, o art. 18, no seu parágrafo 3º, abre a possibilidade de contratação de obras e serviços comuns dispensando-se a elaboração de projetos, desde que demonstrada a inexistência de prejuízos para aferição dos padrões de desempenho e qualidade almejados. Essa situação se configura como de alto risco, uma vez que os projetos são elementos indispensáveis a qualquer obra e, em tese, extensas argumentações jurídicas podem ser fundamentadas para justificar a sua não utilização, contribuindo enormemente, em sentido oposto ao almejado, para o insucesso de incontáveis construções, agravando a criação de aditamentos contratuais e de obras paralisadas;
Art. 18.
§ 3º Em se tratando de estudo técnico preliminar para contratação de obras e serviços comuns de engenharia, se demonstrada a inexistência de prejuízos para aferição dos padrões de desempenho e qualidade almejados, poderá ser indicada a possibilidade de especificação do objeto apenas em termo de referência, dispensando-se a elaboração de projetos.
- Em tese, caso se concatenem a definição de obra e serviço comum de engenharia, que pode ser estendido para qualquer obra, desde que se enquadrem em definições usuais de mercado, como já demonstrado anteriormente, com o parágrafo 3º do art. 18, seria possível sustentar, numa situação extrema, que o projeto pode ser dispensável para a realização de qualquer obra, o que é inconcebível;
- A contratação de obra em parcelas, com dispensa de licitação, não importa seu valor total está sutilmente implícita no art. 73, que permite A CONTRATAÇÃO que envolva valores inferiores a R$ 100.00,00 “no caso de obras”. Assim, se for celebrado um contrato com valores inferiores ao limite permitido, para fazer as fundações de uma obra, por exemplo, por dispensa de licitação, tal ato estará coberto pela lei. Isso porque a nova lei não obriga, em qualquer um dos seus artigos, que se contrate a obra em sua totalidade, e o art. 73 não diz que o valor total da obra a ser dispensada de licitação tenha valor inferior a R$ 100.000,00, mas somente a CONTRATAÇÃO, “no caso de obras”. A contratação de fundações é um caso de obras, assim como qualquer uma de suas etapas. Então, como cada etapa de uma obra se enquadra como um “caso de obras”, é possível que se contrate a obra toda, etapa por etapa, por dispensa de licitação, não importando seu valor total, oficializando-se o seu fracionamento;
- Por fim, uma vez que o parágrafo 3º, do art. 18, viabiliza que seja dispensada a elaboração de projetos para a realização de obras, como já demonstrado, e que o art. 73 autoriza a contratação fracionada de obras por dispensa de licitação, em tese, a nova lei, se aprovada, permitirá a extinção da obrigatoriedade de projetos e de licitações para obras públicas.