Instituto Brasileiro de Auditoria de Obras Públicas

NOTA TÉCNICA IBR 001/2021

Entendimento sobre obra comum e obra especial de engenharia previstos na Lei nº 14.133/2021.

O Instituto Brasileiro de Auditoria de Obras Públicas (Ibraop), em face dos novos dispositivos da Lei nº 14.133/2021 – Lei de Licitações e Contratos Administrativos, vem apresentar esta Nota Técnica para tratar de dispositivos para os quais ainda não há claro entendimento sobre o alcance de seus termos, seja pela ausência de definição objetiva, seja pela necessidade de regulamentação. Para auxiliar o aplicador da Lei no desafio de definir e classificar as obras para melhor contratá-las, ao menos até que se possa contar com jurisprudência pacificada, ou mesmo com a consolidação doutrinária, este Instituto vem manifestar, no caso específico das obras comuns e obras especiais de engenharia, o seguinte:

1. Inicialmente cabe destacar alguns dispositivos da nova Lei nº 14.133/2021 relevantes para a análise do tema:

● Definição da modalidade de concorrência:

Concorrência: modalidade de licitação para contratação de bens e serviços especiais e de obras e serviços comuns e especiais de engenharia, cujo critério de julgamento poderá ser: a) menor preço; b) melhor técnica ou conteúdo artístico; c) técnica e preço; d) maior retorno econômico; e e) maior desconto. (art. 6º, inciso XXXVIII).

● Definição dos conceitos de anteprojeto, projeto básico, projeto executivo e, apenas para bens e serviços, o termo de referência:

XXIII – termo de referência: documento necessário para a contratação de bens e serviços, que deve conter os seguintes parâmetros e elementos descritivos:

a) definição do objeto, incluídos sua natureza, os quantitativos, o prazo do contrato e, se for o caso, a possibilidade de sua prorrogação;

b) fundamentação da contratação, que consiste na referência aos estudos técnicos preliminares correspondentes ou, quando não for possível divulgar esses estudos, no extrato das partes que não contiverem informações sigilosas;

c) descrição da solução como um todo, considerado todo o ciclo de vida do objeto;

d) requisitos da contratação;

e) modelo de execução do objeto, que consiste na definição de como o contrato deverá produzir os resultados pretendidos desde o seu início até o seu encerramento;

f) modelo de gestão do contrato, que descreve como a execução do objeto será acompanhada e fiscalizada pelo órgão ou entidade;

g) critérios de medição e de pagamento;

h) forma e critérios de seleção do fornecedor;

i) estimativas do valor da contratação, acompanhadas dos preços unitários referenciais, das memórias de cálculo e dos documentos que lhe dão suporte, com os parâmetros utilizados para a obtenção dos preços e para os respectivos cálculos, que devem constar de documento separado e classificado;

j) adequação orçamentária; (art. 6º, inciso XXIII).

XXIV – anteprojeto: peça técnica com todos os subsídios necessários à elaboração do projeto básico, que deve conter, no mínimo, os seguintes elementos:

a) demonstração e justificativa do programa de necessidades, avaliação de demanda do público-alvo, motivação técnico-econômico-social do empreendimento, visão global dos investimentos e definições relacionadas ao nível de serviço desejado;

b) condições de solidez, de segurança e de durabilidade;

c) prazo de entrega;

d) estética do projeto arquitetônico, traçado geométrico e/ou projeto da área de influência, quando cabível;

e) parâmetros de adequação ao interesse público, de economia na utilização, de facilidade na execução, de impacto ambiental e de acessibilidade;

f) proposta de concepção da obra ou do serviço de engenharia;

g) projetos anteriores ou estudos preliminares que embasaram a concepção proposta;

h) levantamento topográfico e cadastral;

i) pareceres de sondagem;

j) memorial descritivo dos elementos da edificação, dos componentes construtivos e dos materiais de construção, de forma a estabelecer padrões mínimos para a contratação; (art. 6º, inciso XXIV).

XXV – projeto básico: conjunto de elementos necessários e suficientes, com nível de precisão adequado para definir e dimensionar a obra ou o serviço, ou o complexo de obras ou de serviços objeto da licitação, elaborado com base nas indicações dos estudos técnicos preliminares, que assegure a viabilidade técnica e o adequado tratamento do impacto ambiental do empreendimento e que possibilite a avaliação do custo da obra e a definição dos métodos e do prazo de execução, devendo conter os seguintes elementos:

a) levantamentos topográficos e cadastrais, sondagens e ensaios geotécnicos, ensaios e análises laboratoriais, estudos socioambientais e demais dados e levantamentos necessários para execução da solução escolhida;

b) soluções técnicas globais e localizadas, suficientemente detalhadas, de forma a evitar, por ocasião da elaboração do projeto executivo e da realização das obras e montagem, a necessidade de reformulações ou variantes quanto à qualidade, ao preço e ao prazo inicialmente definidos;

c) identificação dos tipos de serviços a executar e dos materiais e equipamentos a incorporar à obra, bem como das suas especificações, de modo a assegurar os melhores resultados para o empreendimento e a segurança executiva na utilização do objeto, para os fins a que se destina, considerados os riscos e os perigos identificáveis, sem frustrar o caráter competitivo para a sua execução;

d) informações que possibilitem o estudo e a definição de métodos construtivos, de instalações provisórias e de condições organizacionais para a obra, sem frustrar o caráter competitivo para a sua execução;

e) subsídios para montagem do plano de licitação e gestão da obra, compreendidos a sua programação, a estratégia de suprimentos, as normas de fiscalização e outros dados necessários em cada caso;

f) orçamento detalhado do custo global da obra, fundamentado em quantitativos de serviços e fornecimentos propriamente avaliados, obrigatório exclusivamente para os regimes de execução previstos nos incisos I, II, III, IV e VII do caput do art. 46 desta Lei; (art. 6º, inciso XXV).

XXVI – projeto executivo: conjunto de elementos necessários e suficientes à execução completa da obra, com o detalhamento das soluções previstas no projeto básico, a identificação de serviços, de materiais e de equipamentos a serem incorporados à obra, bem como suas especificações técnicas, de acordo com as normas técnicas pertinentes; (art. 6º, inciso XXVI).

● Definição de serviço de engenharia:

XXI – serviço de engenharia: toda atividade ou conjunto de atividades destinadas a obter determinada utilidade, intelectual ou material, de interesse para a Administração e que, não enquadradas no conceito de obra a que se refere o inciso XII do caput deste artigo, são estabelecidas, por força de lei, como privativas das profissões de arquiteto e engenheiro ou de técnicos especializados, que compreendem:

a) serviço comum de engenharia: todo serviço de engenharia que tem por objeto ações, objetivamente padronizáveis em termos de desempenho e qualidade, de manutenção, de adequação e de adaptação de bens móveis e imóveis, com preservação das características originais dos bens;

b) serviço especial de engenharia: aquele que, por sua alta heterogeneidade ou complexidade, não pode se enquadrar na definição constante da alínea “a” deste inciso; (art. 6º, inciso XXI)

● Previsão de excepcional dispensa de projetos:

Em se tratando de estudo técnico preliminar para contratação de obras e serviços comuns de engenharia, se demonstrada a inexistência de prejuízos para aferição dos padrões de desempenho e qualidade almejados, a possibilidade de especificação do objeto poderá ser indicada apenas em termo de referência ou em projeto básico, dispensada a elaboração de “projetos” (art. 18, §3º).

● Adoção do critério de julgamento “técnica e preço” quando se tratar de obras especiais:

O critério de julgamento por técnica e preço será escolhido quando estudo técnico preliminar demonstrar que a avaliação e a ponderação da qualidade técnica das propostas que superarem os requisitos mínimos estabelecidos no edital forem relevantes aos fins pretendidos pela Administração nas licitações para contratação, dentre outros, de: obras e serviços especiais de engenharia (art. 36, §1º, inciso IV).

● Definição dos prazos para apresentação de propostas:

Os prazos mínimos para apresentação de propostas e lances, contados a partir da data de divulgação do edital de licitação, são de (art. 55, inciso II, alíneas a e b):

No caso de serviços e obras:

10 (dez) dias úteis, quando adotados os critérios de julgamento de menor preço ou de maior desconto, no caso de serviços comuns e de obras e serviços comuns de engenharia; e

25 (vinte e cinco) dias úteis, quando adotados os critérios de julgamento de menor preço ou de maior desconto, no caso de serviços especiais e de obras e serviços especiais de engenharia.

● Obrigatoriedade de elaboração de projetos básicos para toda obra:

art. 46, § 1º É vedada a realização de obras e serviços de engenharia sem projeto executivo, ressalvada a hipótese prevista no § 3º do art. 18 desta Lei.

§ 2º A Administração é dispensada da elaboração de projeto básico nos casos de contratação integrada, hipótese em que deverá ser elaborado anteprojeto de acordo com metodologia definida em ato do órgão competente, observados os requisitos estabelecidos no inciso XXIV do art. 6º desta Lei.

§ 3º Na contratação integrada, após a elaboração do projeto básico pelo contratado, o conjunto de desenhos, especificações, memoriais e cronograma físico-financeiro deverá ser submetido à aprovação da Administração, que avaliará sua adequação em relação aos parâmetros definidos no edital e conformidade com as normas técnicas, vedadas alterações que reduzam a qualidade ou a vida útil do empreendimento e mantida a responsabilidade integral do contratado pelos riscos associados ao projeto básico.

[…]
§ 6º A execução de cada etapa será obrigatoriamente precedida da conclusão e da aprovação, pela autoridade competente, dos trabalhos relativos às etapas anteriores.

2. Com o objetivo de facilitar a aplicação da nova legislação, diminuindo a subjetividade na sua interpretação, apresentam-se a seguir alguns entendimentos sobre termos utilizados nesta nota técnica:

Motivação de Atos Administrativos: primeiramente, é importante lembrar que o art. 50 da Lei nº 9.784/1999 estabelece que os atos administrativos devem ser sempre motivados, com indicação dos fatos e fundamentos jurídicos que levam à consumação da decisão. Assim, na licitação, como procedimento formal, qualquer ato da fase preparatória deve conter memorial de fundamento, cuja motivação deve ser explícita, clara e congruente, inclusive no que tange à declaração de concordância com pareceres anteriores, informações, decisões ou propostas, que serão parte integrante do ato administrativo.

Complexidade técnica: um objeto complexo é aquele que se constitui de muitos elementos (ou partes), organizados, que são ligados por um nexo, formam sistemas, cada um com sua funcionalidade, mas que se inter-relacionam, formando um conjunto funcional unido.

Em uma edificação típica, por exemplo, é possível definir: (i) os elementos estruturais (fundações, pilares, vigas, lajes etc.), que suportam as cargas (peso próprio, peso dos ocupantes, vento, chuva, dilatação térmica etc.); (ii) os elementos de vedação (paredes, divisórias, esquadrias, telhas etc.), que separam ambientes internos e externos; (iii) os sistemas diversos (hidráulico, esgotamento sanitário, elétrico, telecomunicações, proteção contra descargas atmosféricas, proteção contra incêndios etc.); e (iv) os acabamentos (pisos, revestimentos, forros etc.), com função estética. Tais elementos podem ser fabricados com diferentes materiais (pedra, areia, concreto, aço, madeira, alumínio, vidros, cerâmicas, gesso etc.). Sob essa ótica, qualquer edificação, por menor que seja, poderia ser considerada “complexa”, o que não parece adequado para os fins da Lei.

No entanto, o termo “complexo” usualmente é traduzido como algo “complicado”, “intrincado”, por vezes “confuso”, ou “difícil de compreender”, por reunir muitas coisas heterogêneas, o que afasta a ideia de simplicidade e facilidade (de resolver), e também as ideias de homogeneidade, uniformidade e padronização.

Para fins de orientação do raciocínio a ser desenvolvido para motivar a classificação da obra como comum, é necessário lembrar que toda obra de engenharia representa a modificação do meio natural no qual se insere. Em outras palavras, toda obra de engenharia civil necessita do estudo do subsolo (geotecnia/geologia) para saber se ele suportará as cargas e manterá estável uma edificação, uma torre, uma via (rodoviária, ferroviária, dutoviária), uma barragem, uma contenção de maciço terroso etc. Da mesma forma, uma obra de infraestrutura costuma exigir o estudo de variáveis climáticas, como chuva e vento, para fins de dimensionamento da drenagem e da estabilidade a vibrações (no caso de edificações/torres de grande altura). Isso tudo porque as condições do subsolo e do clima são fontes de grande incerteza nos estudos de engenharia civil.

Uma maneira prática de avaliar a complexidade de uma obra é verificar a participação (%) da parcela que lida com as incertezas da natureza. Por exemplo, obras de edificações com pouca área construída (m²) e poucos pavimentos podem ser classificadas como comum, já que embutem um baixo grau de incerteza na definição e execução. Como exemplo, têm-se os projetos-padrão de creches do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), do tipo “Proinfância”, que possuem menos de 2.000 m² de área construída e um único pavimento (à exceção da torre do reservatório de água). Por outro lado, edificações com grandes áreas construídas (por exemplo, acima de 5.000 m²) e com vários pavimentos (por exemplo, acima de 4 ou 5 pavimentos, a exigir a instalação de elevadores) tendem a se afastar da classificação de obras comuns, por possuírem um grau de incerteza maior, podendo ser classificadas como especiais.

Em termos estruturais, há que se avaliar também o comportamento de estruturas mais esbeltas em face das cargas variáveis, a exemplo da vibração de uma ponte frente à carga de vento. Estruturas mais protegidas das forças da natureza, que exigem apenas conhecimentos de estática das construções, tendem a ser classificadas como comuns. Por outro lado, estruturas edificadas a maiores alturas, submetidas a altas cargas variáveis (vento, vibração interna – provocada por pessoas ou máquinas), exigem conhecimentos mais aprofundados de dinâmica das construções e, assim, tendem a ser classificadas como especiais. É o caso, por exemplo, de edificações acima de 10 pavimentos, grandes torres (telecomunicações, transmissão de eletricidade), grandes pontes e outras obras marítimas (o impacto das ondas do mar é fonte de grande carga e incertezas, como nos casos de ressacas) etc. Cabe lembrar que o Brasil possui 8 (oito) zonas bioclimáticas, dificultando uma padronização da análise estrutural.

Uma estrutura/edificação de maior porte construída na região amazônica (submetida a temperaturas e umidades altas) pode ter exigências de conforto térmico totalmente diferentes de outra construída na região sul do país (submetida a frentes frias e até mesmo sujeita a impactos de chuva de granizo).

Em termos de fundações, é possível avaliar que as estruturas com fundações superficiais, como radier ou mesmo sapatas de menores dimensões, tendem a ser classificadas como comuns. Já estruturas que exigem fundações mais profundas (como estacas e tubulões) tendem a se afastar da classificação de comuns. No caso de estruturas feitas dentro do mar, à exceção de pequenos píers (comuns, normalmente construídos em madeira ou concreto), em regra podem ser consideradas como especiais.

Licitação/execução corriqueira: é aquela que se repete com grande frequência, corrente, habitual, usual, costumeira, trivial, banal. Neste ponto, cabe uma reflexão, pois uma obra comum que pode ser licitada corriqueiramente por um determinado órgão público (ou ente federativo) pode não ser licitada de forma tão corriqueira por outro órgão/ente público. O conceito aqui envolvido é o de aprendizado conforme o fazer, ou seja, quanto mais “corriqueira” aquela tipologia de obra, mais “comum” ela é para aquele órgão público.

Vulto: diz respeito ao valor estimado da licitação/contratação. Pela nova lei, é considerado de grande vulto aquela obra acima de R$ 200 milhões (art. 6º, inciso XXII). Isso não significa necessariamente que todas as obras abaixo desse valor podem ser consideradas comuns.

Especificações/métodos/tecnologias usuais no mercado: aqui o conceito diz respeito à forma como o mercado de engenharia soluciona determinados problemas da execução de obras (como, por exemplo, as fundações ou a contenção de encostas). Se essas soluções são acessíveis a toda e qualquer empresa ou profissional do mercado, ainda que tenham pouco tempo de experiência, então pode-se dizer que se trata de soluções “usuais”, aplicadas em obras comuns. Do contrário, é possível concluir que, se os problemas para a execução da obra são desafiadores, então o esforço de engenharia é elevado (“engenhar” = criar), de modo que as especificações, métodos ou tecnologias começam a ser de “domínio restrito” a um conjunto menor de profissionais e empresas experientes. Portanto, são soluções de engenharia para obras especiais.

Heterogeneidade dos elementos constitutivos da obra: o conceito se refere a obras que contém partes relevantes que possuem naturezas muito diferentes umas das outras (em termos de materiais empregados, tecnologias, métodos construtivos etc.), por vezes até mesmo exigindo conhecimentos de ramos específicos da engenharia, como no caso de uma obra de engenharia civil que possui partes relevantes de seu projeto elaboradas por engenheiros mecânicos, eletricistas, navais, de telecomunicações etc.

Quantidade de empresas aptas no mercado: aqui o conceito se refere ao grau de competitividade existente naquele mercado específico. No caso de obras de grande vulto (aquelas conceituadas pela Lei como acima de R$ 200 milhões), é possível pressupor que o mercado é nacional e internacional, uma vez que a materialidade (valor) da obra seria suficiente para atrair empresas de outras regiões ou países. Contudo, conforme o valor da obra vai se reduzindo, o mercado tende a ser o regional ou mesmo o local, pois os custos de deslocamento (mobilização/desmobilização) vão se elevando para empresas de fora da localidade.

No tocante ao grau de competitividade de um mercado de obras, artigo de Gustavo Pereira, publicado no livro “Auditoria de Engenharia”, editado pelo Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco (TCE/PE) , apresenta um estudo contemplando 1.035 obras públicas de tipologia e características similares, no qual foi avaliado o “índice preço-custo” (IPCC) de obras, dado pela razão entre o preço vencedor do processo licitatório e o preço orçado pela Administração. Naquele estudo, o gráfico resultante da comparação entre o número de licitantes e o índice de desconto evidenciou que, para quantitativos em torno de 10 (dez) licitantes, os descontos se encontravam acima de 15%, considerado um patamar razoável, esperado para licitações competitivas.

Adotando-se tal estudo do auditor do TCE-PE, referendado pela auditoria de obras do TCU, parece razoável estimar um patamar referencial no qual uma obra considerada comum consiga habilitar pelo menos 10 (dez) licitantes naquele mercado, que pode ser local ou regional a depender do vulto (materialidade) estimada para a obra.

Considera-se um mercado restrito aquele no qual, mesmo dada adequada publicidade, usualmente não comparecem mais de dez empresas à licitação (PEREIRA, 2002)2 .

Parcelamento de obra: Uma questão importante diz respeito à diretriz de parcelamento constante da Nova Lei de licitações, conforme art. 18, inciso VII e §1º, incisos VIII e IX (exigências de justificativas para o não parcelamento e de indicação das parcelas de maior relevância técnica ou valor significativo), observados, ainda, o art. 40, inciso V, alínea “b” (por analogia, quando técnica e economicamente vantajoso), e os §§ 2º e 3º do mesmo art. 40 (viabilidade do parcelamento frente à economia de escala); art. 47, inciso II e §1º; art. 67, §1º; e art. 75, inciso VIII (dispensa de licitação para parcelas emergenciais). Uma obra eventualmente muito complexa (ou especial) pode ser transformada em obra comum (mais simples) quando for parcelada, o que, em regra, permite também o aumento da competitividade nos certames.

3. Preliminarmente, cabe mencionar que, em sendo obra comum ou especial, o projeto básico será sempre obrigatório e deverá conter o dimensionamento da obra, que deve ser expresso por meio de desenhos técnicos (elementos gráficos) em escala adequada, além de especificações, memoriais e cronograma físico-financeiro, nos termos do disposto no art. 46, §§ 2º e 3º, c/c o art. 6º, inciso XXV:

“art. 46, § 3º … após a elaboração do projeto básico…, o conjunto de desenhos, especificações, memoriais e cronograma físico-financeiro deverá ser submetido à aprovação da Administração…”

“art. 6º XXV – projeto básico: conjunto de elementos necessários e suficientes, com nível de precisão adequado para definir e dimensionar a obra ou o serviço, ou o complexo de obras ou de serviços objeto da licitação, elaborado com base nas indicações dos estudos técnicos preliminares, que assegure a viabilidade técnica e o adequado tratamento do impacto ambiental do empreendimento e que possibilite a avaliação do custo da obra e a definição dos métodos e do prazo de execução, devendo conter os seguintes elementos:”

Em se tratando de licitação de obra, seja ela comum ou especial, não se admite sua licitação baseada em termo de referência, uma vez que tal documento é apto apenas para embasar certames licitatórios para a contratação de “bens e serviços”, conforme a definição desta peça:

“XXIII – termo de referência: documento necessário para a contratação de bens e serviços, que deve conter os seguintes parâmetros e elementos descritivos:”

Dessa forma, a licitação de obra deve se fundamentar exclusivamente em anteprojeto, projeto básico ou projeto executivo, a depender do regime de execução escolhido.

A contratação de serviços de engenharia admite a utilização tanto de projeto básico quanto de termo de referência, uma vez que os aludidos instrumentos de planejamento se prestam de forma concorrente para a contratação de serviços.

4. Da definição de obras comuns de engenharia:

Para o adequado enquadramento, impõe-se a necessidade de a Administração Pública, fundamentar tecnicamente a decisão de definição de obra ou serviço de engenharia como comum.

A omissão dos Administradores em dotar os processos licitatórios da regular motivação dos atos administrativos pode ensejar a penalização dos responsáveis, pois configura grave infração à norma legal e regulamentar, conforme tipificado no art. 58, inciso II, da Lei nº 8.443/1992 (obras com recursos federais).

Aplicando uma analogia com as definições de serviço comum de engenharia e de serviço especial de engenharia, é possível concluir o entendimento de que obra comum de engenharia é aquela na qual (i) a mão de obra, os equipamentos e os materiais utilizados são padronizáveis e (ii) amplamente disponíveis no mercado, (iii) os métodos construtivos têm responsabilidade técnica assumida por arquiteto, engenheiro ou técnico com registro no conselho profissional (que atenda aos requisitos previsto no edital), bem como (iv) os objetos contratados são de conhecimento geral e possuem muitas características técnicas de fácil descrição e compreensão, inclusive por parte do executor da obra, o operário da construção civil.

As obras comuns de engenharia são, portanto, aquelas obras (i) corriqueiras, (ii) de baixa complexidade técnica, (iii) e de menor risco de engenharia, (iv) quase sempre de pequeno e médio portes, para as quais (v) não exista qualquer dificuldade para se estabelecer as especificações técnicas, os memoriais descritivos dos serviços e os respectivos padrões de qualidade desejados pela Administração. São aquelas cujos materiais, equipamentos e métodos construtivos sejam (vi) usuais e para as quais (vii) exista grande número de fornecedores e de executores (empresas e profissionais) no mercado local ou regional (que é aquele mercado que costuma suprir a demanda no caso de obras de pequeno e médio portes).

Nas obras comuns, os padrões de desempenho e qualidade devem ser objetivamente definidos em edital, por meio de especificações usuais no mercado, assim como os serviços são executados segundo protocolos, métodos e técnicas conhecidos e determinados em normas expedidas pelas entidades regulamentadoras. Nelas, a qualidade do trabalho é atestada por meio do confronto com normas técnicas e profissionais pré-estabelecidas e, embora possa haver variações metodológicas, estas não são determinantes para a obtenção do resultado desejado pela Administração.

Também nas obras comuns, se o estudo técnico preliminar indicar, o objeto poderá ser definido apenas em projeto básico, sendo dispensada a elaboração de projeto executivo (arts. 18, §3º c/c o art. 46, §1º), mas apenas nos casos excepcionais em que fique demonstrada a inexistência de quaisquer prejuízos para aferição dos padrões de desempenho e qualidade almejados, o que é muito raro. O que significa dizer que a ausência de desenhos detalhados também não prejudicará, de modo algum, a execução da obra, pelos operários e engenheiros/arquitetos responsáveis, exatamente conforme estabelecido pelo projeto básico.

O fato de a obra ou serviço de engenharia exigir projetos com cálculos e dimensionamentos não afasta a sua possível classificação como comum, pois todas exigem algum tipo de cálculo, mas desde que as soluções de engenharia, que condicionam a escolha dos métodos de projeto e de execução, sejam amplamente difundidos dentre os potenciais construtores ou prestadores de serviços de engenharia.

Assim, as obras comuns de engenharia seriam aquelas (i) com baixo grau de complexidade técnica, (ii) executadas corriqueiramente pela administração, (iii) que contam com especificações e métodos usuais no mercado, e para as quais (iv) existem diversas empresas aptas a se habilitarem no certame, razão pela qual foram consideradas, na Lei nº 14.133/2021, em conjunto com os serviços comuns de engenharia.

Apresenta-se, a seguir, um rol exemplificativo de obras comuns:

● construção de guias, sarjetas, calçadas e passeios – desde que destinadas apenas ao trânsito de pessoas;

● pavimentação com lajotas ou pisos intertravados, em via implantada;

● obras de recomposição de pavimentação asfáltica em geral;

● edificação de muros de divisa;

● construção de quadras poliesportivas;

● construção de postos e delegacias de polícia;

● construção de pontos de ônibus;

● execução de poços artesianos;

● construção de cisternas e reservatórios de água de pequeno ou médio porte ou pré-moldados;

● construção, reforma e ampliação de prédios administrativos em geral, de escolas e de médio e pequeno porte;

● obras de assentamento de tubulação de esgotamento sanitário e de abastecimento de água de baixa complexidade;

● construção de valas sanitárias;

● construção de obras de artes especiais (pontes e viadutos) de baixa complexidade e em ambientes não agressivos ou de impactos ambientais não significativos;

● construção de barragens de pequeno porte para fins de armazenamento de água para abastecimento humano ou para fins de geração hidrelétrica, desde que de baixa potência instalada3 ;

● construção de pequenos píers para atracamento/acesso a pequenas e médias embarcações;

● substituição de equipamentos interiores a edificações, como elevadores e escadas rolantes, por outro de características técnicas equivalentes ao original; e

● substituição da cobertura (telhado) por outro de características estruturais idênticas ao original.
Especificidades técnicas que acrescentem complexidade excepcional nas obras listadas podem caracterizá-las como obras especiais.

5. Da definição de “obras especiais de engenharia”:

As obras especiais de engenharia são aquelas obras de alta complexidade, quase sempre de grande porte e elevado risco, para as quais é preciso estabelecer com maior cuidado as especificações técnicas, os memoriais descritivos dos serviços e os respectivos padrões de qualidade desejados pela Administração. São aquelas cujos materiais, equipamentos e métodos construtivos costumam ser de domínio restrito no mercado ou apresentam elevado nível de inovação tecnológica, para as quais exista um menor número de potenciais fornecedores e executores (empresas e profissionais) no mercado local ou regional.

As obras especiais de engenharia são notadamente as (i) de elevada complexidade, (ii) grande vulto (materialidade do valor estimado), (iii) que podem empregar tecnologias de domínio restrito no mercado, (iv) com poucas empresas aptas a executar o objeto.

Da mesma forma que para obras e serviços de engenharia comuns, para o adequado enquadramento, impõe-se a necessidade de a Administração Pública fundamentar tecnicamente a decisão de definição como especiais.

Enquanto as obras e serviços comuns de engenharia podem ser, excepcionalmente, executadas sem a elaboração de projeto executivo (art. 18, §3º), nas obras e serviços de engenharia especiais a elaboração do projeto executivo é sempre obrigatória (art. 46, §1º).

Apresenta-se a seguir um rol exemplificativo de obras que podem ser definidas como “especiais”, as quais, na maioria, enquadram-se na definição técnica (ou conceito técnico) mais completa(o) de “obra”:

● edificação de prédios administrativos ou de estabelecimentos de educação e saúde de grande vulto e complexidade, ou nos quais predomine o emprego de soluções técnicas pouco usuais no mercado;

● pontes, viadutos e túneis de grande vulto e extensão ou em ambientes agressivos ou de impactos ambientais significativos;

● usinas hidrelétricas (com características de PCHs ou acima), termoelétricas etc.

● obras portuárias de média e grande complexidade;

● barragens de grande porte;

● construções de subestações e torres de transmissão de energia elétrica;

● construção de refinarias e plantas petroquímicas;

● obras ferroviárias de médio e grande porte;

● construção de metrôs e VLT;

● construção de estações de tratamento de água ou esgoto que empreguem soluções de domínio restrito no mercado; e

● obras que contemplem expressivo percentual de serviços de montagem eletromecânica e de fornecimentos de equipamentos especiais.

Destaca-se a possibilidade de existirem obras especiais de engenharia cujos estudos, anteprojetos, projeto básico ou executivo podem ser caracterizados como serviços comuns de engenharia.

6. Das obras e serviços cuja classificação pode variar conforme sua complexidade:

Apresenta-se a seguir um rol exemplificativo de obras que, de acordo com a materialidade e características técnicas, podem ser definidas como comuns ou como especiais:

● implantação de obras rodoviárias e de pavimentação asfáltica em geral;

● muros de arrimo;

● barragens de médio porte;

● terraplenagem, em razão dos volumes e características topográficas;

● UPAS, unidades de saúde e hospitais de pequeno ou médio porte, em função das especialidades médicas ou instalações especiais;

● edificação de prédios administrativos ou de estabelecimentos de educação de grande porte, porém abaixo do limite de grande vulto (R$ 200 milhões);

● aterros sanitários; e

● estações elevatórias de água e esgoto.

7. Importância dos Estudos Técnicos Preliminares:

Os estudos técnicos preliminares são documentos fundamentais para dar suporte a uma justificativa técnica para a classificação em obra comum ou obra especial e tais estudos devem estar de acordo com o comando da NLLC, no seu art. 6º, incisos XX, XII e XIII.

Entende-se que o momento da classificação da obra ou serviço de engenharia como comum ou especial deve ocorrer durante o planejamento da contratação, ocasião em que será juntada a adequada motivação, materializada nos estudos técnicos preliminares.

8. Considerações Finais

Em muitas situações, os profissionais encontrarão objetos que poderão ser entendidos tanto como obras comuns de engenharia quanto como obras especiais de engenharia, com alguma margem de dúvida, já que esse entendimento é subjetivo na própria Lei, restando à doutrina e à jurisprudência trazer mais clareza à questão4.

Enquanto não se objetiva e não se pacifica o entendimento, entende-se que a cautela é a melhor opção para uma decisão que atenda ao princípio da obtenção da proposta mais vantajosa para a Administração. Nesse sentido, nas situações em que não se tem certeza se é obra comum de engenharia, é mais seguro e mais alinhado à defesa do interesse público, considerá-la como obra especial de engenharia.

É importante ressaltar também que a materialidade (valor estimado) por si só não define se a obra é comum ou especial, apesar de ser um bom indicativo de sua classificação (aquelas obras de grande vulto, conforme disposto na Lei, acima de R$ 200 milhões, certamente não poderão ser classificadas como comuns).

Para um adequado enquadramento em uma das duas categorias, sempre será preciso uma competente avaliação de profissional habilitado e experiente para subsidiar o processo de licitação ou de contratação.

Fundamental sempre atentar para os seguintes aspectos discutidos nesta Nota Técnica:

● sendo obra comum ou especial, o projeto básico será sempre obrigatório e deverá conter o dimensionamento da obra, nos termos do disposto no art. 46, §§ 2º e 3º, c/c o art. 6º, inciso XXV, da referida Lei nº 14.133/2021;

● nas obras e serviços de engenharia especiais, a elaboração do projeto executivo é sempre obrigatória, ao passo que as obras e serviços comuns de engenharia podem ser, excepcionalmente, executados sem a elaboração de projeto executivo, mas somente se estudo técnico preliminar demonstrar a inexistência de prejuízo para a aferição dos padrões de desempenho e qualidade almejados, o que é muito raro;

● em se tratando de licitação de obra, seja ela comum ou especial, não se admite sua licitação baseada em termo de referência, uma vez que tal documento é apto apenas para embasar certames licitatórios para a contratação de bens e serviços;

● a licitação de obra deve se fundamentar exclusivamente em anteprojeto, projeto básico ou projeto executivo, a depender do regime de execução escolhido;

● a contratação de serviços de engenharia admite a utilização tanto de projeto básico quanto de termo de referência, uma vez que os aludidos instrumentos de planejamento se prestam de forma concorrente para a contratação de serviços;

● o fato de a obra exigir projetos com cálculos e dimensionamentos não afasta a sua possível classificação como obra comum, desde que os métodos de projeto e de execução sejam amplamente difundidos dentre os potenciais prestadores de serviço no respectivo mercado;

● há sempre a possibilidade de existirem obras especiais de engenharia cujos estudos, anteprojetos, projeto básico ou executivo podem ser caracterizados como serviços comuns de engenharia; e

● uma obra eventualmente muito complexa (ou especial) pode ser transformada em obra comum (mais simples) quando for parcelada, o que, em regra, permite também o aumento da competitividade nos certames.

Referências:
BRASIL. Lei nº 14.133 de 01 de abril de 2021. Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/L14133.htm. Acesso em 22/09/2021.

IBRAOP – Instituto Brasileiro de Auditoria de Obras Públicas, OT-IBR 002/2009 – Obra e Serviço de Engenharia. Primeira edição revisada: válida a partir de 01/07/2010. Disponível em: https://www.ibraop.org.br/wp-content/uploads/2013/06/OT-IBR-02-2009-Ibraop-01-07-10.pdf. Acesso em 21/10/2020.

MORINI, Fernando Celso. O desafio de definir e classificar obra comum e obra especial de engenharia. Nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021) [e-book]. Organizado pelo Instituto Brasileiro de Auditoria de Obras Públicas – IBRAOP. 1ª edição. Cuiabá-MT: Carlini & Caniato Editorial, 2021. pg. 32. Disponível em: https://www.ibraop.org.br/Publicacoes/ebook_NLL/. Acesso em 08/10/2021.

Autores: Adriana Cuoco Portugal

Anderson Uliana Rolim

André Pachioni Baeta

Fernando Celso Morini

Guilherme Bride Fernandes

Pedro Jorge Rocha de Oliveira

Pedro Paulo Piovesan de Farias

Rafael Carneiro Di Bello

Aprovação: Diretoria Executiva do Ibraop

Referendo: Condel do Ibraop

Vitória-ES, 30 de dezembro de 2021.

Anderson Uliana Rolim
Presidente do IBRAOP

Acesse AQUI a íntegra da Nota Técnica!


[1] O estudo foi incorporado às págs. 97-98 da PORTARIA–SEGECEX/TCU nº 33, de 7/12/2012, que aprovou o “Roteiro de Auditoria de Obras Públicas”, declarando-o documento público (Fonte: PEREIRA, Gustavo. Auditoria de Engenharia, Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco, 2003; disponível em https://portal.tcu.gov.br/lumis/portal/file/fileDownload.jsp?fileId=8A8182A159B6EC170159B7A9382B0701)

[2] https://repositorio.ufpe.br/handle/123456789/5738, acesso em 21 de novembro de 2021.

[3] A exemplo de minicentrais hidrelétricas, abaixo de 1MW.

[4] Uma indicação de doutrina útil pode ser encontrada nas discussões sobre o uso de pregão para obras e serviços de engenharia, dispostas no livro “Obras Públicas – Comentários à Jurisprudência do TCU”, de autoria do Auditor Rafael Jardim Cavalcante e do Ministro Emérito Valmir Campelo, Editora Fórum, 4ª edição, 2018, pp. 658-672.

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