Instituto Brasileiro de Auditoria de Obras Públicas

A presidente do Ibraop, Narda Consuelo Silva, concedeu entrevista para a revista Pini sobre o projeto de modernização da LF 8.666/93, que pode ser vista na íntegra em http://infraestruturaurbana.pini.com.br/solucoes-tecnicas/37/lei-de-licitacoes-velhos-problemas-novas-polemicas-308729-1.aspx , (Por Eduardo Campos Lima, editora Pini, Edição 37 – Março/2014)
Segundo Narda, “o Projeto de modernização da Lei 8.666/93 traz avanços, mas incorporação de mecanismos do RDC é temerária”.

‘A contratação integrada pode ser um cruel mecanismo de seleção adversa, em que justamente a licitante que pior fizer a avaliação dos riscos do empreendimento
– e por isso ofertar menor preço – será a contratada para executar a obra’

Em dezembro de 2013, a Comissão Especial Temporária de Modernização da Lei de Licitações e Contratos (CTLICON), instalada pelo Senado Federal, apresentou relatório final do projeto de lei que substituirá não apenas a Lei 8.666/93, mas também a Lei 10.520/2002, que criou o pregão, e a Lei 12.462/2011, que instituiu o Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC).

O projeto, que ainda tramitará por comissões do Senado, prevê mudanças significativas: extingue as modalidades da carta-convite e tomada de preços; altera os critérios de exequibilidade; estabelece a inversão de fases, passando o julgamento das propostas a ser realizado antes da habilitação dos proponentes; substitui o termo “projeto básico” por “projeto completo” e possibilita o uso de pregão para contratação de obras.
Uma das transformações centrais é a incorporação de mecanismos do RDC, como a contratação integrada. Para a engenheira Narda Consuelo Vitório Neiva Silva, servidora do Tribunal de Contas do Estado do Mato Grosso e presidente do Instituto Brasileiro de Auditoria de Obras Públicas (Ibraop), a modalidade é um “balão de ensaio”, não tendo ainda produzido nenhuma obra concluída. “Acho temerário tornar a contratação integrada um regime permanente, especialmente sem que ainda exista um panorama claro sobre os resultados obtidos”, afirma. Na entrevista a seguir, Neiva Silva analisa as principais mudanças propostas no projeto.

O relatório final aponta que foi feito esforço “na direção de propor o fim de formalismos em excesso”. A Lei 8.666/93 peca pelo exagero?

A Lei 8.666/93 possui excelente técnica legislativa, mas realmente tem alguns formalismos que poderiam ser alterados para, por exemplo, reduzir o excesso de recursos das licitantes e prever a inversão de fases. No entanto, é digno de nota que a Lei 8.666/93 tem apenas 126 artigos, enquanto o projeto da CTLICON tem 176 artigos, 50 a mais do que a lei em vigor, o que, a meu ver, poderá burocratizar ainda mais as licitações.

O pregão eletrônico é questionado pelo setor da construção, que alega que serviços de engenharia não são mercadorias. Qual a sua opinião sobre o dispositivo incluído no projeto?

A experiência da Administração Pública com o pregão é excelente e está baseada na teoria econômica dos leilões. A reclamação dos construtores parece ser oriunda da redução de preços propiciada pelos pregões. A escolha da melhor proposta para contratação de obra por meio de pregão pode sim ser obtida, desde que todos os licitantes disponham de projetos completos para fazerem seus orçamentos e tenham a certeza de qual o preço mínimo que podem ofertar.

Qual é sua opinião sobre a eliminação da carta-convite e da tomada de preços?

O pregão é instrumento mais célere do que a carta-convite e a tomada de preços, tornando essas duas modalidades de licitação praticamente em desuso para as compras e serviços. A possibilidade de utilizar o pregão para as obras eliminará a utilização do convite e da tomada de preços. Além disso, a carta-convite é o principal mecanismo de fraude utilizado pelas prefeituras para burlar a lei de licitações. Será muito benéfica sua extinção.

O projeto incorpora mecanismos do RDC, como a contratação integrada, com a alegação de que a experiência recente comprova o êxito do mecanismo. Comprova mesmo?

Entendo que ainda é precipitado concluir que a contratação integrada tenha sido exitosa. Afinal, alguma obra contratada por esse regime já foi concluída? A que custo? Em que prazo? Com qual qualidade? Houve redução dos descontos observados nas licitações – o que já representa um fator extremamente negativo. Além disso, ao não oferecer aos licitantes projetos básicos detalhados e consistentes, a Administração suprime informações imprescindíveis para avaliação de riscos e dos reais custos. Haverá eventos que impactam o custo que não foram adequadamente identificados e precificados pelos licitantes, que talvez não suportem o aumento sem revisão contratual. Ressalto ainda que a contratação integrada pode ser um cruel mecanismo de seleção adversa, em que justamente a licitante que pior fizer a avaliação dos riscos do empreendimento – e por isso ofertar menor preço – será a contratada para executar a obra.

A contratação integrada é alvo de críticas de entidades de arquitetos e engenheiros, que argumentam que projeto e execução são atribuições de natureza diversa. Para os tribunais de contas, trata-se de dispositivo legítimo?

As críticas são inteiramente pertinentes. Existe um claro conflito de interesses na contratação integrada, em que o construtor assume a elaboração dos projetos. Todo empreendimento admite diversas soluções de implantação. Algumas podem se demonstrar melhores do ponto de vista técnico, porém, têm custo mais elevado. Outras soluções, embora de custo menor, não são aquelas que asseguram mais durabilidade, qualidade e utilidade para o proprietário da obra. Como o preço a ser recebido pelo contratado é fixo, não há garantias de que o construtor, ao elaborar o projeto, irá necessariamente escolher as melhores soluções para o contratante da obra em detrimento dos seus lucros.

O sigilo pode, conforme argumenta o relatório, contribuir para a definição de preços mais próximos aos praticados no mercado?

O projeto de lei deixa a definição do sigilo como uma opção do administrador, mas a experiência do RDC tem mostrado que o sigilo é extremamente danoso ao interesse público, principalmente no caso de contratação de obras, resultando em descontos ínfimos em relação aos valores orçados pela Administração. Na Infraero, o desconto nas licitações processadas com RDC, com orçamento sigiloso, tem ficado inferior ao que era obtido nas licitações com o orçamento aberto. Idêntico comportamento é observado nas licitações do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). Além disso, não há como garantir que os preços supostamente sigilosos não sejam fornecidos por agentes públicos mal-intencionados a licitantes favorecidos.

O projeto estabelece a necessidade de garantia adicional, caso a proposta tenha valor inferior a 90% do valor orçado pela Administração ou daquele obtido por média aritmética dos valores das propostas (considerando-se aquelas que forem superiores a 70% do valor orçado pela Administração). Como avalia essa proposta?

No âmbito da Lei 8.666/93, a exigência de garantia prevista no art. 56 se mostrou extremamente ineficaz. Os órgãos públicos contratantes têm muita dificuldade em acionar essa garantia, pois as seguradoras e os bancos costumam não honrá-las, alegando que foi a Administração quem deu causa à rescisão do contrato. Dessa forma, vislumbro que continuarão presentes as dificuldades para o acionamento da garantia. Há um projeto de lei tramitando no Senado, o PLS 56/2012, prevendo mecanismos para que os bancos e as seguradoras que prestarem as garantias contratadas pelos executores das obras junto a eles deverão honrá-las no prazo constante do respectivo instrumento, independentemente da existência de lide judicial entre a Administração Pública e o contratado.

Em que mudam as exigências relativas à habilitação das empresas?

A qualificação técnico-profissional é semelhante, mas há grandes diferenças na qualificação técnico-operacional. O projeto da CTLICON prevê comprovação de que o licitante realizou, em um único contrato, objeto com características equivalentes ao que a Administração pretende contratar; declaração de disponibilidade dos equipamentos, materiais e instalações; contrato ou certificado que comprove que o licitante está apto a fornecer bens ou serviços próprios de terceiros, quando os mesmos representarem a parcela de maior relevância do objeto; atendimento pelo licitante de requisitos de sustentabilidade ambiental. A exigência de atestado de realização anterior ou de documento comprobatório será limitada a 50% do quantitativo licitado, salvo mediante justificativa devidamente fundamentada nos autos do processo licitatório. Por fim, a administração deverá realizar avaliação qualitativa do desempenho contratual prévio dos licitantes, a partir do atesto de cumprimento de obrigações em que constem eventuais penalidades aplicadas.

A Lei 8.666/93 sempre ensejou críticas relativas à preponderância do preço sobre a qualidade. Com a revisão, prevê-se a contratação de projeto pelo critério de julgamento de técnica e preço, na proporção de 70% – 30%. Isso equaciona o problema?

A crítica é procedente, pois de fato a empresa projetista que apresentar o menor preço na licitação pode não ser a mais apta para executar o objeto, dado o caráter tecnológico e intelectual de um projeto de engenharia. Todavia, o uso da licitação de técnica e preço também não equaciona o problema. Vários órgãos, a exemplo do Dnit, Valec e Infraero, realizam há anos licitações de técnica e preço para contratação de projetos. E conhecemos bem a qualidade desses projetos. O problema não será resolvido apenas com mudança da forma com que são licitados. É preciso haver pessoas aptas para recebê-los e analisá-los, bem como estabelecer punições em lei para as empresas projetistas. Cito novamente o PLS 56, que estabelece penalidades administrativas para as projetistas que apresentarem projetos falhos.

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