Instituto Brasileiro de Auditoria de Obras Públicas

A avaliação do prejuízo direto à Administração Pública causado pela corrupção é tema de muitos estudos, especialmente em se tratando de obras públicas. Foi por isso que o Instituto Brasileiro de Auditoria de Obras Públicas – o Ibraop – publicou o artigo do engenheiro civil e perito criminal do Departamento da Policia Federal, Alan de Oliveira Lopes, no ano de 2015.

Lopes apresentou o estudo de caso da “Operação Caixa de Pandora”, cujo objetivo principal era verificar eventuais indícios de atuação de cartéis de empresas de construção civil nas licitações. No entanto, além da identificação de comportamento de cartel nas licitações, foi apontado um aumento da competitividade nas licitações do órgão investigado no ano seguinte ao da deflagração da operação.

Em comemoração aos seus 20 anos de fundação, o Ibraop entrevistou o colega para que todos os associados do Instituto possam reviver essa experiência. Confira:

IBRAOP: “O efeito pedagógico de operações da Polícia Federal: um estudo de caso da Operação Caixa de Pandora” tomou por base uma operação ocorrida no ano de 2009. Onze anos se passaram e ainda existem diversas fraudes em licitações de obras públicas. De lá pra cá, o que você acha que mudou e o que precisaria, ainda, mudar na forma de controlar ou fiscalizar os processos licitatórios da Administração Pública? 

ALAN: Para responder a essa pergunta é preciso, antes, aceitar o fato de que as fraudes envolvendo recursos públicos sempre existiram e provavelmente continuarão a existir, a despeito do máximo esforço que se empreenda. Um exemplo disso foi a criação, em 2020, pelo Governo Federal Norte Americano de um comitê para fiscalização dos fundos gastos com a Pandemia do Covid-19 naquele país: o Pandemic Response Accountability Committee (PRAC), vinculado ao conselho de Inspetores-Gerais  – Council of Inspectors General on Integrity and Efficiency (CIGIE) – órgão que congrega atribuições com paralelo na Controladoria-Geral da União e na Polícia Federal.

Nesse sentido, possa afirmar que muito se avançou. A consciência dos tipos de fraudes que podem ocorrer em licitações e contratos aumentou muito, inclusive na população em geral, na imprensa e meio acadêmico. Me lembro vivamente que, naquela época, falar de fraudes e corrupção no meio acadêmico e profissional tinha uma resistência [e mesmo ceticismo] muito maior que hoje, onde são temas até incentivados para estudo e aprimoramento. Como muito esforço, tipificamos o conceito de superfaturamento em licitações na lei das estatais, antiga bandeira da perícia da Polícia Federal, abraçada pelo Ibraop. Todas as revelações da operação Lava Jato, sobre a atuação em cartel de construtoras icônicas, antes inquestionáveis sob qualquer aspecto, trouxeram um amadurecimento sobre as dificuldades de se promover integridade na Administração Pública. Além disso, muito esforço normativo e de capacitação se empreendeu – vide as discussões para a Nova Lei de Licitações. Por parte dos Tribunais de Contas, destaco a efervescência na criação de laboratórios de ensaios de materiais – em especial os relacionados aos pavimentos asfálticos. Possa afirmar, que muito se avançou nesse campo.

Como melhoria vejo uma movimento do Ministério da Infraestrutura que deveria ser copiado. Trata-se da seleção cuidadosa dos ocupantes do cargo em comissão – especialmente os ordenadores de despesa e fiscais de contrato. Com processo seletivo com base em análise curricular e pesquisa pela Subsecretária de Integridade e Governança se fortalece a base de toda a pirâmide de controle. Isso precisa ser multiplicado e incentivado em toda a Administração. A era de termos pessoas sem currículo e integridade em cargos chaves precisa acabar de vez. Se os Tribunais de Conta enveredarem auditorias nesse sentido terão uma avanço impressionante.

No campo tecnológico também vemos iniciativas que vieram para ficar. Com o uso pela CGU e TCU de ferramentas com Inteligência Artificial para a criação de robôs de monitoramento de contratações que está agregando muita velocidade de apurações. Vide as operações conjuntas com a Polícia Federal para combate a fraudes com recursos do Covid-19, que já superam a casa das 30 ações.

IBRAOP: O estudo menciona a importância do efeito pedagógico dessas operações. Na sua opinião, houve melhora no comportamento das empresas que participam das licitações junto à Administração Pública?

ALAN: Sim, observando os parâmetros técnicos das licitações mais recentes, vemos maior competitividade dos certames. É um efeito que pode ser mensurado utilizando o mesmo método que apliquei no citado artigo.

IBRAOP: E quanto a formação de cartéis, você pode indicar avanços nas análises nesse sentido no Brasil?

ALAN: Acompanho mais as licitações do Governo Federal, e nela, sim, houve melhora dos indicadores.

IBRAOP: Em julho deste ano, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios conseguiu a condenação, no âmbito da Operação Caixa de Pandora, do ex-deputado Rubens Brunello por corrupção passiva. Comente como recebeu a notícia.

ALAN: Não tenho como tecer comentários sobre o caso concreto, pois não tenho todos os detalhes. Mas sobre o contexto, recebo a notícia sob dois aspectos. O primeiro, que as ações judiciais sobre esse tipo de fraude estão chegando a um desfecho, o que – acreditem – é digno de registro. Todavia, os prazos de apuração ainda não estão condizentes com as demandas sociais de uma era de grandes transformações. Na minha visão, agora que todos os atores desse processo já entenderam como proceder, temos que avançar na velocidade dessa atuação.

IBRAOP: Você cita a Orientação Técnica IBR 005/2012 do Ibraop, que versa sobre a apuração do sobrepreço e superfaturamento em obras públicas no seu estudo. Fale um pouco desse trabalho técnico realizado pelo Ibraop e do impacto dele no seu trabalho e para os profissionais que atuam no controle da Administração Pública.

ALAN: Essa OT do Ibraop tomou por base estudos que a Polícia Federal empreendeu no ano de 2009 e amplamente difundidos no ano de 2010 no evento SINAOP, de Porto Alegre. Nesse grupo, do qual fiz parte, o Ibraop assimilou, uniformizou e aprimorou os estudos iniciados na Polícia Federal. O trabalho da PF, por sua vez, foi inspirados pelas auditorias do TCU após o caso do TRT de São Paulo – icônico caso encabeçado engenheiro Sidmar da Caixa e pelo auditor André Mendes, que foi quem me convidou a ser membro do IBRAOP. Assim, a aceitação e assimilação do IBRAOP da metodologia consolidada na Polícia Federal, a qual descrevi no meu livro “Superfaturamento de Obras Públicas”, em 2010, foi um importante impulsionador da técnica.

IBRAOP: Essa não foi sua primeira [e, com certeza não será a sua última] contribuição com o Ibraop, uma vez que ainda integrou grupo de elaboração de procedimentos de obras rodoviárias e vias urbanas entre os anos de 2016 e 2018. Conte como foi, para você, ter tido essas experiências.

ALAN: Mais dos que os excelentes produtos técnicos gostei de ver – novamente – o desprendimento e espírito público dos membros do IBRAOP. Na sua maioria servidores públicos que colaboram para a elaboração de normativos técnicos, amplamente aceitos pela comunidade profissional no Brasil, de forma complementar às suas atribuições nos órgãos de origem. Esse fato importa em certo sacrifício pessoal. Perdi as contas das vezes que tive que explicar aos colegas da Polícia Federal, e mesmo superiores hierárquicos, a importância de atuar junto ao IBRAOP. Por ser membro desde 2003 sou “suspeito” para afirmar, mas convido a todos os profissionais da área a conhecer o IBRAOP de perto e perceber como se trata, sem dúvidas, de uma entidade civil da mais alta nobreza de propósito.

IBRAOP: Por fim, como você vê o futuro do controle da aplicação dos recursos públicos no Brasil? E os principais focos da atuação futura do Ibraop?

ALAN: Como já pontuei, creio que o foco de ser mais nas pessoas do que nos processos e mais em tecnologia do que em burocracia. Quanto ao Ibraop, acho que é preciso incentivar a renovação de quadros, para que possamos passar às próximas gerações a experiência e principalmente o espírito públicos dos atuais membros. Não é uma tarefa simples, que deve ser gerenciada para a perpetuação desse projeto social. Enfim, vida longa ao IBRAOP!

Alan de Oliveira Lopes é graduado em Engenharia Civil, Mestre em Transportes e Doutorando pela Universidade de Brasília. É Perito Criminal Federal da Polícia Federal desde o ano de 2002, atuando como Assessor Especial do Ministro de Infraestrutura do Brasil nos anos de 2019 e 2020 e, atualmente, ocupa o cargo de Diretor Técnico-Científico da Polícia Federal. Membro associado do Ibraop desde 2003.

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